Em 8 de março comemora-se o Dia Internacional da Mulher, adotado pela ONU em 1977. Foi um longo, longo caminho para fazerem-se valer. E como são valentes e valiosas !
Em 1900 a mulher brasileira não tinha direito a nada. Além disso, muito pior, era que nenhuma delas, ou quase, acreditava que algo poderia mudar em algum lugar no futuro.
A professora Leolinda Daltro e a escritora Gilka Machado fundaram em 1910 o Partido Republicano Feminino no Rio de Janeiro. O PRF organizava passeatas exigindo a extensão do voto às mulheres e teve o mérito inegável de lançar, no debate público, o pleito das mulheres pela ampla cidadania.
A zoóloga paulista Bertha Lutz em 1919 criou a Liga pela Emancipação da Mulher, embrião da poderosa Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, fundada em 1922. A Federação teve papel fundamental na conquista do sufrágio feminino e, por extensão, na luta pelos direitos políticos da mulher, e destacou-se, também, como organização feminista com maior inserção nas esferas de poder da época. Suas militantes escreveram na imprensa, organizaram congressos, articularam com políticos, lançaram candidaturas, distribuíram panfletos em aviões, representaram o Brasil no exterior. Estas mulheres da elite brasileira encorajaram muitas outras a entrar na política.
Nada caiu do céu e tudo começou a se transformar quando Chiquinha Gonzaga, maestrina e compositora brilhante, largou o marido para viver da música e Nair de Tefé, a primeira caricaturista brasileira, dedilhou ao piano do Palácio do Catete, onde vivia com o marido-presidente Hermes da Fonseca, o maxixe Corta Jaca, da própria Chiquinha. Foi um escândalo e o governo foi acusado pela elite de divulgar músicas de origem vulgar.
A carioca Francisca Edwiges Neves Gonzaga foi a primeira “chorona”, primeira pianista de choro, autora da primeira marchinha carnavalesca (Ô Abre Alas, 1899) e também a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil.
Nascida em Petrópolis (RJ), Nair de Tefé, além de caricaturista foi também cantora, pianista, atriz e primeira-dama do Brasil de 1913 a 1914. Sua paixão por música popular reunia amigos para recitais de modinhas, promovia saraus e organizava recitais no Palácio do Governo. Sua amiga Chiquinha Gonzaga era habituée nesses eventos. Levar para a sede do Governo a música popular foi considerado, na época, uma quebra de protocolo, causando polêmica nas altas esferas da sociedade e entre políticos. Rui Barbosa chegou a tecer fortes críticas a Nair.
O século XX foi de grandes conquistas, avanços científicos notáveis e realizações aparentemente inalcançáveis. Mas foi também o século da mini-saia, do biquini e do tailleur, ou seja, as mulheres colocaram o feminismo no topo.
Desafiaram o sistema e enfrentaram a discriminação de leis como o Código Civil de 1916 que passou por reformas, tendo sido suprimidas expressões discriminatórias sobre a mulher. Uma vitória e tanto, naquela época.
Na Constituição de 1934, veio a grande conquista das brasileiras. O direito ao voto garantido a todas as mulheres, já reconhecido pelo Código Eleitoral de 1933. Na constituinte de 1934 houve uma representante do sexo feminino, a primeira deputada do Brasil, Carlota Pereira de Queirós (à1892 †1982), paulista, foi médica, escritora e pedagoga.
O advento da pílula anticoncepcional em 1960 representou o símbolo da liberação sexual.
Em 1962 com o Estatuto da Mulher, ela passou a existir juridicamente sem a tutela do marido.
Na Constituição de 1988, o homem não é mais citado como chefe da família, as uniões estáveis são reconhecidas, assim como filhos nascidos fora do casamento.
Chiquinha Gonzaga (à1847 †1935) e Nair de Tefé (à1886 †1981) foram as destemidas pioneiras, as heroínas com causa.
Antes delas, Nísia Floresta Brasileira Augusta, pseudônimo de Dionísia Gonçalves Pinto (à1810 †1885), educadora, escritora e poetisa, foi provavelmente a primeira mulher a romper os limites entre os espaços público e privado, publicando textos em jornais, na época em que a imprensa brasileira ainda engatinhava. Nascida em Papari, atual Nísia Floresta, Rio Grande do Norte, também dirigiu um colégio para moças no Rio de Janeiro e escreveu livros em defesa dos direitos das mulheres, dos índios e dos escravos. Viúva, levou a filha doente para Paris, onde morou a maior parte do tempos. Em 1853, publicou Opúsculo Humanitário, uma coleção de artigos sobre emancipação feminina, que foi merecedor de uma apreciação favorável de Auguste Comte, pai do positivismo.
Conheça a seguir outras mulheres que com seus estilos de vida, realizações profissionais, idéias e atitudes contribuíram para a independência feminina.
Aracy Cortes (à1904 †1985), nasceu no Rio de Janeiro e na adolescência foi vizinha de Pixinguinha. Com apresentações nos teatros de revista, que reuniam a nata do meio artístico, projetou-se como a primeira grande cantora popular, destacando-se em ambiente quase exclusivamente de vozes masculinas da época. Foi dela também a primeira audição da música Aquarela do Brasil de Ary Barroso.
Dercy Gonçalves (à1905 †2008), fluminense do interior do Estado, foi atriz, humorista e cantora, atuou no teatro de revista, notória por suas participações na produção cinematográfica brasileira das décadas de 50 e 60. Na televisão, chegou a ser uma das atrizes mais bem pagas, estrelando programas na TV Excelsior, TV Rio, TV Globo e SBT. Foi reconhecida pelo Guinness Book como a atriz com maior tempo de carreira na história mundial (86 anos).
Celebrada por suas entrevistas irreverentes, bom humor e uso constante de palavrões, foi uma das maiores expoentes e precursoras do teatro de improviso no Brasil. Na infância muito humilde foi perseguida por sua origem negra, dizia “Aprendi como as galinhas, ciscando. O que não me fazia sofrer eu achava bom. Tudo que passou, acabou. Eu sobrevivi. Não tenho mágoa de nada e nem saudade de nada. Vivo o hoje. Tenho alegria de viver, adoro a vida”.
Mara Rúbia (à1919 †1991), nome artístico de Osmarina Lameira Colares Cintra, paraense da Ilha de Marajó, consagrou-se como vedete no teatro de revista durante os anos de 40 e 50. A partir de 1950 foi contratada da TV Tupi de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde comandava um programa exclusivo na emissora carioca. Seu alto salário na televisão era motivo de polêmica e de inveja. Como bailarina e atriz de cinema participou de vários filmes, entre eles Dona Flor e Seus Dois Maridos, de 1976.
Tônia Carrero (à1922), nome artístico de Maria Antonieta Portocarrero Thedim, carioca, graduada em educação física, com formação de atriz obtida em cursos em Paris. Atuou em marcantes interpretações no teatro, cinema e TV. Nos anos 50 e 60 revolucionou a cena do teatro brasileiro ao constituir um repertório com peças de autores clássicos, como Shakespeare e Carlo Goldoni, e de vanguarda, como Sartre.
Norma Benguell (à1935), carioca, é uma atriz, cineasta, produtora, cantora e compositora. Foi a primeira atriz brasileira a apresentar-se em uma cena de nu frontal, no filme Os Cafajestes, de1962. Ela estreou no cinema em 1959 e logo chamou a atenção pela sua sensualidade. Participou de passeatas contra a ditadura militar e não escondia suas convicções políticas. Em 2010 sua foto foi utilizada na campanha eleitoral pela pré-candidata do PT à Presidência da República, a ex-ministra Dilma Rousseff. Tal atitude provocou polêmicas, inclusive a acusação do uso indevido da imagem e associação da atriz. No entanto, Norma Bengell desmentiu ter descontentamento e manifestou simpatia e apoio à pré-candidata.
Leila Diniz (à1945 †1972), nasceu em Niterói (RJ), foi professora e atriz de teatro, cinema e TV. Quebrou tabus de uma época em que a repressão dominava o país, escandalizou ao exibir a sua gravidez de biquini na praia, irritou feministas tradicionais ao amamentar a filha Janaína diante das câmeras e chocou o país inteiro ao falar de sua vida pessoal sem nenhum tipo de vergonha ou constrangimento, em entrevistas marcantes. “Transo de manhã, de tarde e de noite”, disse certa vez. Considerada uma mulher à frente de seu tempo, ousada e que detestava convenções. “Você pode muito bem amar uma pessoa e ir para cama com outra. Já aconteceu comigo”, confessou em entrevista histórica ao jornal O Pasquim, o que provocou, a partir de então, a censura prévia dos militares à imprensa. Foi invejada e criticada pela sociedade machista das décadas de 60 e 70. Leila Diniz, A Mulher de Ipanema, defensora do amor livre e do prazer sexual, é sempre lembrada como símbolo da revolução feminina, que rompeu conceitos e tabus por meio de suas idéias e atitudes. Morreu em acidente aéreo, aos 27 anos, no auge da fama.